POLÍCIA ESPANCA SINDICALISTA E IMPEDE MARCHA DOS FUNCIONÁRIOS DE LUANDA
MAIS UM PASSO MAIOR QUE A PERNA DE MANUEL HOMEM

Fulano deu um passo maior do que a perna!
É a expressão popularmente usada para descrever alguém que começa uma actividade ou implementa medidas que estão acima da sua capacidade de conclusão com as competências e os recursos disponíveis.
Tal erro de cálculo normalmente acontece em consequência do fraco domínio das normas que regem a actividade que é desempenhada, do mau planeamento e do desconhecimento das implicações das medidas que se quer levar a cabo na vida dos destinatários, o que torna a execução desastrosa, atabalhoada e ineficaz.
Assim ocorreu quando o governador da Província de Luanda, Manuel Homem, de maneira precipitada e desavisada, ao nosso ver, decidiu ressuscitar, conforme alegou mas ninguém viu, Posturas Provinciais que fixam a proibição de circulação de mototaxistas no que taxou como vias principais de Luanda, sem que previamente avaliasse a sua legalidade e antevisse as convulsões sociais que provocaria, face à falta de alternativas de transportes públicos baratos e que pudessem satisfazer a demanda da província mais populosa do país.
Atropelos dessa natureza são o prato do dia dos órgãos da Administração Local do Estado na província de Luanda, o que torna gritante, conforme já referimos aquando da análise à cobrança ilegal e duplicada de emolumentos feita pelo administrador do Distrito Urbano do Kilamba, a necessidade de formação contínua dos gestores públicos no que à boa governação diz respeito, de mais apertada e menos selectiva fiscalização da legalidade da sua actuação.
Manuel Homem é useiro em desrespeitar a lei e os seus subordinados só lhe seguem o exemplo. Ainda nos salta à memória a usurpação que fez às competências do Presidente da República ao nomear um Coordenador para a Comissão Administrativa do Município de Luanda (CAML), sem que tenha havido despacho de delegação de poderes, numa altura em que, no Estatuto da CAML, a competência de nomear o seu Presidente era do Presidente da República e, ainda por cima, fê-lo com fundamento no Código do Procedimento Administrativo que, naquela altura, ainda não tinha iniciado vigência, facto por nós denunciado mas que não mereceu qualquer tratamento dos órgãos competentes, como se pode ler aqui:
Governador Manuel Homem usurpa competência do Presidente da República João Lourenço
Outra flagrante ilegalidade cometida pelo governador Manuel Homem foi a de proibir, por meio de despacho, que os administradores municipais concedam terrenos com mais de 1000 m², ao arrepio do que permitem tanto o Decreto Presidencial n.º 202/19, de 25 de Junho, Regulamento da Lei da Administração Local do Estado, quanto o Decreto Presidencial n.º 20/18, de 29 de Janeiro, que Estabelece o Regime Geral de Delimitação e Desconcentração de Competências e Coordenação Territorial da Administração Central e da Administração Local do Estado.
Os diplomas mencionados, embora tenham igual hierarquia ao Decreto Presidencial n.º 169/12, de 27 de Julho, sobre o Regime de Regularização Jurídica dos Imóveis Destinados à Habitação, Comércio e Mistos, Públicos e Privados, por serem mais recentes e consagrarem limites de concessão distintos, revogaram o limite de 1000 m² constante do último e que o governador usa como fundamento do seu acto ilegal.
Essa é uma regra básica de aplicação da lei no tempo que qualquer aluno que tenha completado o primeiro ano do curso de Direito domina, mas que todo o aparato de juristas, assessores e o próprio governador mostram desconhecer, com o beneplácito e vistas grossas do Ministério da Administração do Território – vide comentários aos artigos 12.º e 13.º do Código Civil Anotado de Ana Prata, edição de 2017.
Da conferência de imprensa promovida para esclarecer o conteúdo da proibição, assim como da entrevista concedida pelo governador Manuel Homem subordinada ao tema que circula nas redes sociais, não conseguimos extrair respostas para as seguintes questões:
1. Em que Posturas está contida a proibição em pauta e quais os números dos Diários da República em que se encontram publicadas?
2. Que vias as Posturas classificam e mapeiam como principais e com o acesso vedado à actividade de mototáxi, uma vez que o único arrolamento de vias que veio a público é o que consta dos banners publicitários da proibição?
3. Que estudos, com a respectiva estatística, comprovam que a causa dos acidentes fatais nas vias de Luanda é, isoladamente, a actividade de mototáxi e não a conjugação da incúria dos mototaxistas na condução, a falta de iluminação pública e o mau estado das vias?
4. Havendo causas combinadas, por que razão o GPL, que se diz tão comprometido com a preservação da vida, apenas ataca uma delas e nada diz sobre a resolução, com a mesma contundência, das demais?
5. Que alternativas de transportação pública o Estado coloca à disposição dos cidadãos de parcos recursos para circularem nas vias principais, onde podem ser encontrados, as vezes com exclusividade, os serviços de que necessitam para a gestão das suas vidas?
6. Que modelos de organização e gestão da circulação dos mototaxistas nas vias secundárias e terciárias foram gizados para que os seus postos de trabalho e meio de sustento familiar sejam preservados?
7. Como serão distinguidos os mototaxistas dos motociclistas que, por exemplo, estiverem a dar boleia a alguém, se os primeiros não são identificados com indumentária diferenciada? Todos os motociclistas terão de ser interpelados e indagados para o efeito?
8. Como vão funcionar as empresas que prestam serviços de entrega de bens ao domicílio (refeições, documentos, etc.), tal como acontece nas grandes cidades de todo o mundo? Que soluções o GPL trás para prossecução desta necessidade?
Uma conferência de imprensa de um governador numa capital de qualquer país normal responderia a estas questões se se decidisse tomar uma medida repentina de proibição de circulação de motos nas principais vias. Mais uma vez se prova que Angola não é efectivamente um país normal.
Segundo o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 7/14, de 26 de Maio, sobre as Publicações Oficiais e Formulários Legais, os actos sujeitos à publicação oficial só se tornam eficazes após a sua publicação em Diário da República. Dentre os actos enumerados neste diploma e que são sujeitos à publicação oficial obrigatória na sua segunda série, constam as Posturas dos Órgãos da Administração Local do Estado – n.º 2 do artigo 3.º, alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º.
A publicação das Posturas em que se baseia a proibição do exercício da actividade de mototáxi nas vias principais de Luanda é um requisito de eficácia das mesmas. Em momento algum do pronunciamento dos representantes do GPL e no conteúdo dos banners publicitários da proibição se fez referência dos números dos Diários da República em que estão publicadas, porque, na verdade, não estão disponíveis em nenhuma plataforma de legislação, inclusive a da Imprensa Nacional. A proibição foi executada com base numa Postura juridicamente ineficaz.
Para além disso, as Posturas aprovadas até 2022 classificavam as violações à sua prescrição como transgressões administrativas, à luz da Lei n.º 12/11, de 16 de Fevereiro, das Transgressões Administrativas, que lhes serviu de norma habilitante.
Embora Diogo Freitas do Amaral defenda a possibilidade de subsistência dos regulamentos administrativos face à revogação da lei que lhes deu lugar, caso sejam compatíveis com a nova lei, no caso vertente não se afigura fazível a aplicação de Posturas que classifiquem as violações aos seus comandos como transgressões administrativas, porque estas deixaram de existir. Actualmente, no ordenamento jurídico angolano e por força do princípio da legalidade, ninguém pode ser punido pela prática de transgressões administrativas porque elas não existem.
Assim, uma vez que os factos ilícitos susceptíveis da aplicação de coimas passaram a ter a natureza jurídica de contra-ordenações, por força da Lei n.º 19/22, de 7 de Julho, sobre o Regime Geral das Contra-ordenações, as Posturas que não encerrem em si tal tipicidade não podem ser aplicadas, sob pena de violarem o princípio da legalidade.
Por outro lado, a Lei n.º 19/22 obriga os Órgãos da Administração do Estado a tipificarem as suas próprias contra-ordenações, justamente para acautelar os ajustes que se impõe fazer às Posturas feitas à luz da revogada Lei das Transgressões Administrativas. Assim, seria expectável que o governador da Província de Luanda e as Administrações Municipais que a compõem aprovassem Posturas que tipifiquem as contra-ordenações que devem vigorar nas respectivas circunscrições territoriais, em vez de aplicarem Posturas antigas, conforme alegou o governador, que tipificam e punem transgressões que já não existem.
Deste modo, o governador da Província de Luanda não pode proibir a actividade de mototáxi nas vias principais de Luanda por meio de banners, flyers, entrevistas ou conferências de imprensa, apenas por via de Posturas devidamente publicadas em Diário da República. Também não pode aplicar sanções contra uma actividade que ainda não tipificou como contra-ordenação – artigo 5.º.
Só quem não precisa de usar uma mota para trabalhar, estudar, deslocar-se a um hospital, tratar de documentos, etc., serviços localizados maioritariamente nas vias principais, pode deixar cair, da noite para o dia e sem qualquer critério, sobre a cabeça dos munícipes, a notícia segundo a qual terão de fazer contas à vida para retirar do já minguado sustento o dinheiro para custearem um meio de transporte mais caro e que lhes permita chegar ao seu destino.
Só quem não sabe o que é pagar do seu próprio bolso as despesas diárias pode esperar que os cidadãos reajam favoravelmente à proibição imposta por Manuel Homem sem que lhes tenha apresentado a devida alternativa, o mínimo que se podia esperar de um governante.
Não temos conhecimento da disponibilização, pelo GPL, de algum estudo que aponte as reais causas dos acidentes fatais em Luanda, com laudos que permitam concluir, com fundamento em dados estatísticos, que a principal causa dos mesmos é a actividade de mototáxi.
As informações a que temos acesso apontam que várias são as causas que contribuem para a sinistralidade rodoviária, sendo a incúria dos motociclistas apenas uma delas – e não há provas concretas de que seja a mais mortal.
A má ou inexistente iluminação pública nas vias, a insuficiência de pedonais, as crateras que nascem, crescem e envelhecem nas estradas sem que ninguém as tape são igualmente apontadas como propiciadoras de acidentes e mortes. E para atacar isso, parece que é preferível fechar-se os olhos, os ouvidos, a boca e o nariz.
Assim, as perguntas que não se querem calar são: Por que razão o GPL restringe a sua actuação a uma das causas mencionadas e se furta de dizer o que está a fazer para solucionar as demais? Será porque deixam a descoberto a sua falta de capacidade de resolução de problemas que são da sua exclusiva responsabilidade sem envolver outros “culpados”, facto que torna menos apetecível a defesa da vida humana?
O sistema de transportação pública em Luanda é ineficaz, dizer isso não é uma heresia, tão pouco uma novidade. Se alguma dúvida persiste sobre a veracidade dessa afirmação, para confirmá-la basta apreciar as filas que se formam nas paragens de autocarros todos os dias e a regularidade com que atendem as populações. E mais: em zonas como os Zangos (1,2,3,4 e 5) não há nenhum transporte público a funcionar. As populações são obrigadas a não dormir (isso mesmo – não dormir) para a partir das 2h da madrugada estarem nas paragens para apanharem um autocarro de uma empresa privada, que chega até ao Benfica. O Portal “A DENÚNCIA” esteve no local e conversou com os cidadãos, que passam a noite na rua para apanhar um autocarro privado por volta das 5h30. Para se ter noção, quem chega à paragem às 4h da madrugada já corre o risco de não conseguir apanhar tal autocarro privado. O Estado não tem nenhum autocarro a funcionar nos Zangos. Convidamos o governador Manuel Homem para ir lá à madrugada (3h) constatar como os residentes nos Zangos se deslocam para ir trabalhar ou à procura de meios de sustento.
Os táxis denominados azuis e brancos, para além de fazerem rotas curtas, cobram montantes inacessíveis à boa parte dos agregados familiares de Luanda, o que torna os mototaxistas a alternativa possível para estas pessoas.
Pode o GPL garantir, ao proibir a actividade dos mototaxistas nas vias principais, o aumento da oferta de transportes colectivos de passageiros que permita o acesso barato dos cidadãos aos locais vedados à actividade de mototáxi?
O PAD desafia o governador Manuel Homem a apresentar publicamente as Posturas em que se baseou para proibir a actividade de mototáxi nas vias principais de Luanda, a sua visão de solução para o problema da falta de alternativas de transportação pública nas principais artérias de Luanda, que se vai agudizar com a cessação da actividade dos mototaxistas, como pretende organizar o funcionamento da actividade de mototáxi nas vias secundárias e terciárias, para que os serviços sejam realizados de maneira sustentável e os postos de trabalho dos mototaxistas sejam mantidos, como serão distinguidos dos demais motociclistas sem que seja necessária a sua interpelação sempre que circularem acompanhados de passageiro e como funcionarão as empresas que prestam serviços de entrega de bens ao domicílio (refeições, documentos, etc), tal como acontece nas grandes cidades de todo o mundo.
O PAD denuncia publicamente a inexistência de Posturas validamente emitidas e publicadas, que sirvam de fundamento para a proibição publicitada pelo governador Manuel Homem, da circulação de mototáxis nas vias principais de Luanda e vai acompanhar, assim como os cidadãos afectados pela medida, que postura os órgãos de controlo da legalidade e do funcionamento da Administração do Estado vão adoptar face às irregularidades denunciadas neste artigo.